quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Béla Tarr, tateando os limites

Há alguns dias, publiquei no Cinemais uma entrevista com Gus Van Sant na qual o cineasta norte-americano falava de suas influências e inspirações. Em dado momento da entrevista, ele diz que considera Béla Tarr "um dos verdadeiros visionários trabalhando atualmente com cinema". E eu nunca havia ouvido falar de Béla Tarr.



Fui atrás de informações sobre o cineasta húngaro para tentar diminuir levemente a incrível ignorância em que vivo imerso.

Fiquei razoavelmente consolado ao descobrir que a ignorância não se resumia apenas a mim. Mesmo produzindo desde 1971, Tarr é um desconhecido mesmo na sua Europa natal. Até 1991, os seus filmes estavam restritos ao público japonês (?). Único lugar onde foram lançados DVDs com a obra de Tarr. Filmes húngaros com legendas em japonês não são os produtos culturais mais acessíveis que tu podes imaginar?

Mas quem é Béla Tarr? É um cineasta realmente inovativo que criou uma reputação internacional ao ganhar diversos festivais europeus (Berlim, Cannes, Locarno, Mannheim-Heidelberg) com uma trilogia de filmes inspirados: Kárhozat ("Danação",1989), Sátántangó ("Tango de Satã", 1994) e Werckmeister harmóniák ("A Harmonia Werckmeister", 2000). Acima está a seqüência inicial de Sátántangó, que mereceu a menção de Van Sant.

Tarr é um diretor que desafia radicalmente as formalidades do cinema, o que o torna totalmente inapropriado para ser exibido no Cinemark do shopping center. Sátántangó, seu filme mais mencionado, tem mais de sete horas de duração, com uma narração não linear e, apesar disso, uma história totalmente compreensível.

Tarr começou cedo a fazer filmes. Aos 22 anos de idade, lançou o documentário Családi tűzfészek ("Family Nest", 1977). Na época, todo o grande cinema húngaro era baseado em um formato conhecido hoje como "docudrama" -- documentários com elementos de ficção. Tarr trabalhou com os grandes diretores do seu tempo na Hungria. A idéia geral desses documentários era usar atores não-profissionais com diálogos improvisados e câmeras nervosas, mas seguindo um roteiro pré-definido.

Esse trabalho iniciou o interesse de Tarr pela busca dos limites do formalismo no cinema. Ele trabalhou numa adaptação para a TV de Macbeth (1980). O resultado é extremamente experimental: uma peça com duas tomadas, uma de cinco minutos seguidos pelos créditos, e outra de 67 minutos ininterruptos. Com close-ups constantes e sem espaço entre acontecimentos e a leitura do poema de Shakespeare, o filme alcança uma dramaticidade teatral incomum.

A primeira parte de Sátántangó se passa em antecipação à chegada de Irimias, que juntamente com seu aluno romeno, Petrina, está indo para o vilarejo que vemos nas cenas acima. Mas nos dias anteriores, toda a vila foi percorrida por boatos de que o viajante estaria morto.

Quando ele finalmente chega, e nós não sabemos o propósito dessa viagem, o efeito é o da chegada de um Messias às avessas. Em pouco tempo, Irimias rouba da população todo o seu dinheiro, por meio de pequenos golpes, e destrói todas as esperanças que trazia para o povoado.

O filme ganha ares de libelo ao pensarmos que o vilarejo bucólico é a Hungria comunista da infância de Tarr e a chegada do Messias e suas trapaças, uma alegoria às promessas de riqueza não cumpridas do capitalismo.

A câmera de Tarr participa intensamente do filme. Ela é lenta e se move constantemente em balanços e subidas e descidas indo de uma cena para outra sem cortes de montagem. O que seria levado ao extremo por Aleksandr Sokurov, em Russkiy kovsheg ("Arca Russa", 2002).

Tarr segue produzindo continuamente. Neste ano, ele lançou Londoni férfi ("The Man From London", 2007), que foi muito bem recebido no circuito cultural europeu, ganhando uma mostra no London's National Film Theatre.

Esperamos o lançamento da obra de Béla Tarr nesses trópicos ainda tão imersos no desconhecimento dos grande realizadores de arte mundiais.


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