Parte final da entrevista de Peter Greenaway para indieWIRE.
Pergunta - Em um certo sentido essas cenas não deveriam ser chocantes nos anos 2000, mas aqui nos EUA, toda vez que uma atriz faz uma cena de nudez acontece uma entrevista coletiva. A pergunta que sempre se faz é: “Como é atuar pelado?”. Sendo assim, você não acha estranho que mostrar o sexo de forma tão aberta seja considerado pouco convencional ou ofensivo para muita gente?
Greenaway - Eu presumo que você está perguntando isso apenas retoricamente porque já sabe a resposta. Vocês têm um background puritano. O fato de serem protestantes ou mesmo calvinistas tem a ver com todos estes problemas e dificuldades. A melhor forma de responder a isto seria: eu sou europeu. Vemos todas essas questões de uma perspectiva diferente. Fui treinado como pintor. Tenho muita familiaridade com o corpo nu, feminino ou masculino. Tenho uma postura discursiva e estou certo de que o corpo humano está no centro disso. Sua fisicalidade é importante e positiva. Acredito que esta fisicalidade perderia sua perspectiva sobre todos os outros sentidos. Estas são as posições mais polêmicas, tanto quanto a enorme curiosidade sobre situações e políticas que envolvam os gêneros masculino e feminino.
Pergunta - Não sei se você viu o filme “The Idiots” de Lars von Trier, em que os pênis dos atores foram cobertos com retângulos pretos. No seu filme, os pênis são apenas uma coisa normal. Tem uma grande fala na qual o pai diz como o pênis o inspirou a ser um arquiteto. (Philip: “Contemplando o pênis de meu pai, eu ficava interessado na engenharia do pênis. O pênis é uma das máquinas de engenharia mais impressionantes – estrutura sólida, hidráulica, propulsão, pistões, compressão, inflável, sensibilidade ao calor – praticamente tudo que caracterizam as máquinas. Não existem máquinas feitas pelo homem que se equiparem a ele.) Como o pênis lhe inspirou a tornar-se um diretor?
Greenaway - (risos) Novamente uma ironia. Meu filme irritou muita gente porque é uma espécie de avanço da fantasia sexual masculina. Penso que se você vai trabalhar com esta fantasia é melhor escancarar tudo. Organizamos nove estereótipos sexuais masculinos que são bastantes explícitos no seu significado: o desejo de transar com uma freira, o desejo de transar com uma mulher que está sempre montando a cavalo etc. É politicamente incorreto imaginar um cena na qual dois homens, pai e filho, são capazes de criar um bordel particular. Isso está quase fora do limite do que é considerado civilizado. Isto pode ser tanto um sonho sexual de um ou de ambos os sexos.
Pergunta - Todos os homens de seus filmes parecem ser normais ou bem dotados. Alguém poderia pensar que se o diretor tivesse um pênis pequeno, nenhuma nudez masculina seria tão facilmente exibida.
Greenaway - Você acha isto?
Pergunta - Sim. Alguém poderia ter a impressão e intuir, ao observar as sutilezas dos seus filmes, que você deve ser satisfatoriamente bem dotado.
Greenaway - Me sinto muito confortável em discutir assuntos sexuais nessas circunstâncias e contexto. Acho que venho desenvolvendo em meus filmes um paradigma e a confiança vai crescendo a cada filme. O fato de você me fazer esse tipo de pergunta sugere que existe uma legitimidade que possibilita discutir qualquer assunto dessa natureza. Talvez com um outro diretor e em outra circunstância não fosse tão fácil tratar desses assuntos tão abertamente. Acredito também que, em outro nível, e fico muito irritado com isso, o cinema tradicional e ortodoxo de Hollywood lida com a nudez de forma limitada, apenas do ponto vista do corpo de uma mulher jovem entre 16 e 30 anos. O que acontece com o resto das outras pessoas? O que acontece com toda a massa de homens e mulheres, dos tipos masculinos e femininos que não estão representados neste contexto? Nós devemos ir mais além...
Pergunta - Como você reage quando taxam os seus filmes de misóginos? Isso te incomoda?
Greenaway - Existe uma tênue fronteira o tempo todo. Temos que ser bastantes cuidadosos ao fazer um filme. Me lembro em The Cook the Thief His Wife & Her Lover (O Cozinheiro, o Ladrão a Mulher e Seu Amante, França, 1989), o personagem de Helen Mirren termina o filme literalmente e metaforicamente por cima. Ela é uma vitoriosa. Mas foi incrivelmente humilhada para conseguir chegar lá. Será que a humilhação de Helen Mirren é um argumento misógeno ou é uma via natural a ser seguida para se alcançar uma conclusão? Eu tendo, é claro, a concordar veementemente com a segunda alternativa.
Pergunta - Em The Pillow Book (O Livro de Cabeceira,França, Inglaterra, Holanda, Luxemburgo, 1996) você trata a homossexualidade e a bissexualidade de forma natural e esplêndida. Poucos outros diretores seriam capazes de fazer parecer tão natural e como parte do dia a dia das pessoas. Isso seria porque qualquer coisa ligado a sexualidade é algo normal e corriqueiro para você?
Greenaway - Sem dúvida nenhuma. Eu posso te provocar perguntando o que significa a perversidade para você?
Pergunta - Coisas que os seus pais não gostariam que você fizesse.
Greenaway - (risos) Um outro comentário curioso e que sempre me surpreende é sobre os críticos americanos e como eles me vêem como um fetichista. Posso perceber a maneira como usam esta palavra, ela tem um significado profundo e pejorativo na cabeça deles. Por quê devemos acreditar que o fetichismo é pejorativo? Por quê os americanos pensam assim?
Pergunta - Nós somos uma nação muito contida. Nós temos muito medo do sexo.
Greenaway - Por quê isso? Poderíamos falar sobre uma herança puritana, sobre os valores da família etc. Mas isto ainda não responde realmente a estas questões.
Pergunta - Bem, nossos ancestrais vieram para cá supostamente para separar a religião do Estado e eles falharam. E como a religião está sempre envolvida...
Greenaway - Mas isso foi há muito tempo atrás.
Pergunta - Edmund White uma vez disse que os franceses achavam os americanos loucos porque 3/4 da nossa população acredita piamente que conversa com Deus. Nós realmente acreditamos no pecado. Talvez o pecado faça o sexo ser mais prazeiroso para nós, uma vez que acreditamos que seremos punidos por fazer alguma coisa proibida e suja.
Greenaway - Talvez.
Pergunta - Bem, eu gostaria de agradecer.
Greenaway - Foi um prazer.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
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