segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Lynch quer uma garota com apenas uma perna


Um amigo meu, quando eu estava começando a planejar esse blog, disse que gostaria de ler entrevistas com grandes realizadores do cinema. Algo que ele não encontra na imprensa cultural. Lembrei dele ao assistir ao documentário Lynch (Blackandwhite, EUA, 2007).

O filme desvenda cenas incríveis do trabalho de Lynch durante dois anos em que ele preparou e filmou seu mais recente filme Inland Empire (2006). O universo de Lynch é desvendado em momentos que recriam na realidade a fantasia dos seus filmes. Como na cena em que ele pede para que um assistente arrume "uma garota de 16 anos com apenas uma perna". O assistente não hesita em sair para dar alguns telefones para encontrar uma atriz que se encaixe na descrição.

O filme será um extra maravilhoso quando Inland Empire sair em DVD. No documentário, Lynch surge em seu ambiente natural como diretor e criador, gritando e xingando sua equipe, revendo e aprovando cenas, sentado durante minutos em um mutismo criativo.



Filmado parte em vídeo e parte em Super-8, o documentário não se restringe apenas aos bastidores das filmagens de Inland Empire. No filme, vemos um pouco da história pessoal de Lynch. Ele nasceu na cidade de Missoula, no Estado de Montana, em 1946. Mas esse pouco é bem pouco mesmo. Como eram os pais do cineasta? Como são as relações dele com a sua família? Quem ele ama? Quem ele odeia? Nada disso chega perto de ser respondido.

O que vemos em profusão é a relação de Lynch com os seus assistentes de filmagem. Quase todos eles são jovens e extremamente prestativos na tentativa de satisfazer cada um dos pedidos do gênio que pajeiam. Encontrar um macaco treinado para participar de uma cena, ouvir os relatos de Lynch sobre filmagens de clássicos como Mulholland Dr. (2001) ou Blue Velvet (1986) ou apenas ir correndo atrás de uma adolescente perneta, são as funções que Lynch determina para cada um deles.

O momento em que o documentário cresce é na terceira entrevista longa com Lynch. Nela, o diretor, que soma mais de quarenta anos de carreira, confessa que não tem certeza do que está fazendo no filme Inland Empire. Ele se mostra inseguro sobre a narrativa e o ritmo que está pensando em dar ao filme. Pode soar estranho um dos mestres do cinema atual ser revelado em um momento de fraqueza criativa, de dúvida sobre as suas escolhas estéticas. Mas, no final, é sobre isso que Lynch, o documentário, versa. Sobre a luta incrível do criador contra seus próprios demônios, sua luta intestina pela criação.

O diretor do documentário é mais um mistério à la Lynch. Nos créditos, lê-se apenas "Blackandwhite". Nada mais é possível descobrir sobre ele na internet.

A produção do documentário foi seguida em um blog, que ainda está no ar com alguns detalhes e notas interessantes. Como as anotações em folhas de papel para guiar as entrevistas do diretor com o cineasta.

Em última análise, Lynch é um documentário expositivo, não é em momento algum questionador. Nós vemos uma "biografia autorizada". Nós não temos dúvidas a respeito do cineasta esclarecidas, nós apenas ouvimos mais um história contada por David Lynch.

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