terça-feira, 30 de outubro de 2007

Tropa de Elite não pára em pé

Dá calafrios quando leio por toda a imprensa (e repetido por gente inteligente também) que o filme de José Padilha é ótimo e um dos melhores já feitos no Brasil.

Calafrios porque sob qualquer ponto de vista que se tome esse adágio da filosofia brucutu, do pega e arrebenta, ele não se mantém em pé.

Além de ser fascista e maniqueísta em seu discurso, o filme é uma obra de arte capenga e com incongruências absurdas.

Vamos aos meus pontos de vista sobre a obra.

Para começar, Padilha não reconhece a diferença entre documentário e ficção. Um documentário serve para traçar um retrato de uma realidade qualquer. Nunca se pretende esgotar um assunto em um filme de duas horas, mas, tal como em uma boa reportagem, deve-se tentar atacar a pauta por todos os lados possíveis. “Tropa de Elite” é simplista apresentando apenas um discurso fechado e único. Todos os personagens e o narrador concordam que a solução para a violência no Rio é quebrar a coluna do tráfico na porrada, que o consumo de drogas é a causa da violência, que repressão é a única solução.

Como documentário, o filme ignora que a causa da violência do Rio é um fenômeno complexo que resulta de um calderão de fatores entre eles as drogas, a pobreza, o desemprego, a proximidade entre ricos e pobres. Algum sábio, como Padilha, pode dizer que se se acabar com o tráfico de drogas a violência sumirá. Ao que uma pessoa bem menos culta a respeito dos meandros sociológicos do Rio vai perguntar: mas então os seqüestros não vão aumentar? Os roubos a condomínios não vão substituir a indústria das drogas? Os assaltos a bancos não podem parecer uma opção interessante?

Mas o filme não é um documentário. Padilha se arrola o papel de arauto de um problema que ele não aborda. O morro do Rio é apenas um pretexto para contar uma história de ficção, mesmo que ela seja enriquecida por cenas baseadas em relatos reais.

E como obra de ficção, o filme, infelizmente, tinha todos os elementos para ser grande, realmente um dos maiores já feitos no Brasil, mas escorregou em uma série de inépcias dos seus criadores.

Ele é realmente bem filmado, uma câmera nervosa competente. Mas isso não é novidade. Wagner Moura realmente está muito bem. Mas o seu personagem é nulo em profundidade.

Falando em personagens: quem é o personagem principal do filme? Para a maioria das pessoas que me responderam essa pergunta, é o Capitão Nascimento. Segundo o próprio José Padilha, o personagem principal é Matias. Eu concordo com ele, Matias deve ser o protagonista. Mas isso fica mascarado pelo fato do Capitão Nascimento ser o narrador da história, dando o tempo todo a sua versão distorcida dos fatos.

Uma coisa que se pede de filmes de ficção é que os personagens evoluam, que comecem em um ponto A e terminem num ponto B. Capitão Nascimento começa o filme como um brutamontes assassino que tortura e manda matar. E acaba como um brutamentes assassino que tortura e manda matar.

E o pior é a avaliação feita pelo narrador dos atos de Matias. Quando ele entrou na faculdade, “estava cometendo uma puta cagada”. Quando começou a namorar a guria rica, também. Quando foi para a ONG, então, se condenou. E cometeu o maior absurdo quando foi para uma entrevista de emprego em um escritório de advocacia.

Ele só fez uma coisa certa quando fuzilou com uma 12 a cara de um traficante indefeso.

Ele é um personagem que evolui. Mas evolui para o mal e não é punido por isso. Tudo bem evoluir para o mal. Scarface fez isso. Taxi Driver, também. Mas como foi que eles terminam? Matias vira herói.

E todos os elementos estavam lá. Um conflito interessante: Nascimento ia ser pai e precisava fazer um sucessor antes de se aposentar. Dois jovens promissores. Um deles é morto pelo tráfico. O outro é um personagem complexo e dual com um pé dentro do Bope e outro na faculdade. Matias poderia fazer uma crítica interessante das operações criminosas do Bope dentro das favelas, vistas do ponto de vista de um estudante de Direito (que deve zelar pela legalidade); e, abordaria a visão de dentro da academia com a vivência das operações do morro.

Mas o contraponto acaba sendo uma aulinha ridícula de faculdade em que ninguém fala nada e palavras são postas na boca de Foucault.

Mais um filme ruim brasileiro. Esse com a desculpa de se colocar na conta do papa.

Um comentário:

Tiago Oliveira disse...

Olá, Tiago. Muitas pessoas já podem ter falado isso com você, mas como ninguém comentou, lá vou eu: sinceramente e com respeito, eu acho que você não entendeu o filme. Repetindo a idéia já tão repetida nessas discussões: ninguém precisa dizer que a tortura é desumana! É óbvio que ela é. Se tanta gente a vê tão espontaneamente como alternativa legítima e justa, é de se estranhar que um filme que tenha provocado isso. O problema é dessa parte do público, eles legitimam a tortura e a execução independentemente desse filme, já antes dele essa parte sempre reage assim, frente aos noticiários - "Esse tem tomar uma surra", "Mata esse desgraçado". É muita presunção achar que o diretor é tão alienado e gente-ruim de tentar fazer uma espécie de faroeste com a tão problematizada questão do tráfico e da violência policial.
Se a narração e o intérprete leva o povo a concordar com o Capitão, e a platéia a tremer de satisfação com as cenas de tortura, esta aí um fato interessante a ser discutido sobre que tipo de sentimento revanchista, de vingancinha que nos temos espalhado pelo país, no quesito segurança pública - embora não ache que esse ponto específico tenha sido trabalhado tão intensa-propositalmente no filme - ao invés de propagar que ficção tem que ter isso, documentário tem que ter aquilo, etc..
E não entendi esse requisito de que os personagens teriam que melhorar com o passar do tempo. Porque que você só gosta assim? Para ficar tudo bem? Ora, nem todo mundo melhora com o tempo. Tem gente que piora, tem gente até que estagna. Ou porque você acha que o mundo está essa maravilha? Dizendo que terminou tudo bem, qualquer crítica perde em impacto e em crédito, porque passa a se apoiar na fantasia e não na realidade. Ao mesmo tempo, o filme não precisa fornecer toda a crítica pronta e acabada. Entregar um pacote exaustivamente explicado e mastigadinho. Ele pode, se quiser e souber como, só dar o "start". E aí já vai ter sido válido.