Zodíaco, de David Fincher, que estréia nesta semana, e o italiano Vermelho como o Céu, de Cristiano Bortone, são filmes imperdíveis que já considero fortes candidatos para melhores do ano. O arrasa-quarteirão holliwoodiano e o modesto, e quase tímido, europeu guardam duas semelhanças que fazem deles bons filmes: roteiros competentíssimos e histórias que são todas de verdade. O terceiro filme da semana é o brasileiro Baixio das Bestas, que reforça a convicção íntima de que algo não funciona apropriadamente bem no cinema brasileiro quando a única coisa que motiva um diretor são nus frontais e prostituição de baixo nível.
Fincher, que tem os ótimos Se7en e Clube da Luta no currículo, conseguiu fazer novamente algo raro em Los Angeles: um filme policial de investigação inteligente e sem tiroteio e sangue espirrando na tela. Menos aqui é mais.
O filme é inspirado no caso de um assassino em série que agiu, sem nunca ser desmascarado, durante o final da década de 1960 e início da de 1970 em São Francisco. Ele se auto-nomeava Zodíaco e mandava bilhetes com códigos a serem decifrados para jornais e para a polícia.
Um jornalista, na verdade um cartunista de um dos jornais, fica obcecado com os códigos e destrói a sua vida pessoal tentando decifrá-los. (Na vida real, ele perdeu a mulher, mas ficou milionário escrevendo best-sellers sobre o caso. Não consegui descobrir nada sobre a ex-mulher, mas talvez tenha valido a pena!)
O achado do filme foi não se render à violência dos crimes de Zodíaco. Coisa que poderia acontecer facilmente nas mãos de Fincher, dado o seu histórico um pouco, digamos, propenso para a agressividade. Mas o roteiro de James Vanderbilt prende a atenção do espectador na trama do código e na obcessão do cartunista, vivido por Jake Gyllanhaal.
Vermelho como o Céu passou quase despercebido pelo circuito nacional. É a história de um menino, Mirco Mencacci, que aos dez anos fica cego depois de um acidente com uma espingarda do pai. De acordo com as leis italianas do início da década de 1970, cegos eram considerados deficientes e deviam ser mandados para internatos onde aprendiam a empalhar cadeiras e tecer tapetes. Como sabemos desde o início, o garoto se tornará um dos mais respeitados editores de som do cinema e da TV italianos.
A grandeza do filme está em conseguir driblar a pieguice que a história do “jovem-cego-que-supera-barreiras-e-vence-na-vida” facilmente oferece para o cineasta. O roteiro é sensivelmente construído para dar ao espectador uma experiência idílica de sons, que chega a ser, em muitos momentos, mesmo poética.
O filme lança ainda uma crítica inteligente à Igreja Católica. O internato de Mirco é mantido pela Igreja e as aulas são dadas por freiras e padres que simplesmente põem para tocar fitas K-7 (chamadas de áudio-livros). Mirco, encontra um gravador velho e passa a gravar sobre os áudio-livros; fazendo montagens de sons e narrações que formam histórias fantásticas de castelos, princesas e dragões.
Um toque maravilhoso da produção é o fato de todas as crianças do filme serem realmente cegas. Com destaque para o jovem Luca Capriotti, que faz o protagonista. Um filme bonito e tocante sem ser chorão.
Ninguém ia ver esse filme mesmo, mas, pelo menos, agora vocês têm alguns motivos para desdenhar Baixio das Bestas, de Cláudio Assis. É daqueles filmes que nos forçam, por mais que a gente lute contra essa tentação, a menosprezar o cinema nacional. Afinal de contas, por que cinema brasileiro tem que ter prostituta, palavrão, cafetão, putaria? E por que cinema brasileiro é o único do mundo que pode se furtar a ter enredo?
O roteiro dessa pornochanchada perdida no tempo é de Hilton Lacerda que já havia feito dobradinha com Assis, no mais que defectível Amarelo Manga. Aliás agora os dois já me devem três horas de vida que disperdicei assistindo a esses dois filmes.
Eu não consigo entender por que os cineastas nacionais insistem em fazer filmes sobre realidades que não conhecem. Filhos das classes altas, educadas, das grandes cidades, eles têm uma síndrome de culpa despropositada que os obriga a se lançar em empreitadas quixotescas como retratar o nordeste famélico e degredado com os instrumentos de crítica social que eles apreendem nos centros urbanos (leia-se nas aulas de Sociologia da USP). Resultado: uma cidade prostíbulo no sertão. Um filme cheio de nus frontais e bebedeiras, palavrões e violência. O espectador que se vire para extrair um sentido disso tudo.
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Ótimas surpresas; péssima constatação
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